ALEITAMENTO MATERNO
Keiko
Teruya é médica pediatra e professora da Faculdade de Medicina da Fundação
Lusíada de Santos.
Nossa espécie, o Homo sapiens, pertence à classe dos
mamíferos, animais que amamentam os filhos quando nascem. Fiéis às origens,
durante toda a história do homem na Terra, as crianças foram amamentadas no
peito da mãe. Nos anos 1950, porém, mudanças sociais e econômicas resultantes da
industrialização e da entrada da mulher no mercado de trabalho contribuíram
para a quebra desse paradigma. Muitas precisaram suspender a amamentação dos
filhos para sair de casa logo cedo e assumir posições profissionais. A solução
que lhes restou foi alimentar suas crianças com mamadeiras, leite em pó e os
suplementos que as indústrias encarregavam-se de produzir e apresentar como
excelentes substitutos do leite materno.
Pagamos um preço alto por isso, porque não tardaram a aparecer estudos
elencando as desvantagens desse tipo alimentação. Atualmente, a Organização
Mundial de Saúde recomenda que a mãe amamente os filhos, durante os seis
primeiros meses de vida, exclusivamente com leite do seu peito. A partir dos
seis meses até os 2 anos, outros alimentos devem ser introduzidos na dieta e
oferecidos ao bebê em colherinhas e não mais na velha e superada mamadeira.
VANTAGENS DO LEITE MATERNO
Drauzio — Quais as consequências que essa mudança
de paradigma ocorrida nos anos 1950/1960 acarretou?
Keiko Teruya – A história já se
encarregara de demonstrar que era possível alimentar o ser humano com outro
leite que não o materno. Haja vista, o caso de Rômulo e Remo, fundadores de
Roma, que segundo a lenda foram amamentados por uma loba. No nosso caso, a
escolha recaiu principalmente sobre o leite de vaca. Só que, apesar de o Homo
sapiens ser o animal mais adaptável dentro da escala zoológica, há
sempre um preço a pagar por essa quebra de paradigma, pois o leite materno
diminui o risco de maior suscetibilidade alérgica, infecções e até mesmo de
morte infantil.
Drauzio – Quais as vantagens do leite materno em
relação aos outros tipos de leite?
Keiko Teruya — Ele contém todos
os nutrientes necessários para garantir o crescimento saudável da criança. ALém
disso, olhos nos olhos, mãe e filho estabelecem a primeira linguagem efetiva de
amor.
PRODUÇÃO DO LEITE MATERNO
Drauzio – Como é a dinâmica da produção do leite
materno?
Keiko Teruya — A sucção
desencadeia um reflexo hormonal: a prolactina (hormônio produzido pela
hipófise) promove a produção de leite e a ocitocina, sua descida para a região
da aréola mamária. O espantoso é que toda a mulher pode produzir leite mesmo
que não tenha gerado a criança que suga seu peito e, quanto mais ela suga, mais
leite aparece. Para ser didática e simples, digo às mães que, enquanto o bebê
mama, um carteiro leva uma mensagem para a cabeça dela avisando que lá embaixo
tem gente precisando de leite. Se a criança reclama – “Mãe, aqui não está
saindo leite” -, o mensageiro transmite nova ordem ao cérebro materno – “Solte
o leite” – no que é logo obedecido.
Drauzio – Esse mecanismo pode ser
alterado de forma que algumas mães apresentem dificuldade para amamentar e
produzir leite?
Keiko Teruya – Se a ocitocina
não passasse pelo hipotálamo, não haveria tanto problema. Acontece que ela
passa e quando a mãe está nervosa, tensa, cansada, levou um susto ou teve um
grande aborrecimento, um bloqueio impede-a de soltar o leite. A expressão
“esconde o leite” reflete bem o que ocorre nessas situações. Entretanto, se a
criança continuar sugando, novo comando será transmitido ao cérebro da mãe que
deixará o leite fluir.
AMAMENTAR NÃO DÓI
Drauzio – Como é possível manter essa tranquilidade
se algumas mulheres sentem dor enquanto amamentam, porque o mamilo rachou, por
exemplo?
Keiko Teruya – A amamentação
deve ser absolutamente indolor. Partindo do seu exemplo, o mamilo não racha se
a criança for colocada na posição correta e pegar direito o peito. Por que ocorre
a rachadura? Ocorre porque a criança não consegue pegar a areola, a parte do
seio que não dói. Sempre peço que as mães apalpem suas mamas e lhes pergunto
onde são mais sensíveis. Todas as respostas coincidem: o bico é a parte mais
dolorida. Fica claro, então, que ali a criança não pode sugar porque vai doer.
No entanto, se a criança sugar na região areolar onde ficam os bolsões de leite
que devem ser espremidos para liberá-lo, não haverá desconforto nenhum. Se a
mulher sente dor quando o filho mama, a dinâmica da sucção deve estar
incorreta.
Drauzio – No decorrer da gravidez, a mulher pode
tomar alguns cuidados que deixem seus seios em melhores condições
para a amamentação?
Keiko Teruya – Antigamente, as
mulheres eram orientadas para tomar sol e fazer massagens de protusão dos
mamilos. Estudos posteriores demonstraram que essa indicação não tinha o menor
fundamento. O que realmente importa para evitar rachaduras e, consequentemente,
dor é a criança estar bem posicionada e ter boa sucção.
Drauzio – É difícil amamentar um bebê?
Keiko Teruya – As mães aprendem
a amamentar com extrema facilidade. Eu lhes digo que o primeiro contato entre
mãe e filho deve ocorrer na hora do nascimento, porque na primeira meia hora a
criança está lúcida.
Mais tarde, no quarto, ela irá aprender como posicionar corretamente a
criança durante as mamadas. A criança deve ficar de frente para o peito da mãe
(principalmente para a região areolar), pois é a pressão de sua gengiva na
areola que solta o leite. Se ela sugar só na pontinha, o leite não sai. Sua
cabeça deve estar alinhada com o tronco, ou seja, a criança não pode estar
torta e seu corpo deve ficar colado aocorpo da mãe o tempo todo.
LEITE FRACO E LEITE FORTE
Drauzio – Algumas mães dizem — ah, meu leite está
aguado — e suspendem a amamentação ou completam as mamadas com mamadeiras.
Existe leite materno fraco ou forte?
Keiko Teruya – Não existe leite
fraco ou forte. Existe leite bom para a criança. Às vezes, as mães consideram
seu leite fraco porque o comparam com o leite de vaca, que é mais denso e
consistente o que, de certo modo, o torna impróprio para o ser humano. O
bezerrinho, em um ano e meio ou dois, deverá ter-se transformado num animal
adulto. O ser humano precisa de 16 a 18 anos para completar seu ciclo de
desenvolvimento.
Por que as mães acham que seu leite é fraco? Porque, quando a criança
toma mamadeira, parece que fica mais tempo sem fome e dorme mais. Isso acontece
porque a digestibilidade do leite de vaca, cujas moléculas são maiores, é muito
lenta e provoca uma sobrecarga nos rins. A criança se sente como o adulto que
comeu uma feijoada: de estômago cheio e sonolenta, largada. As mães não
costumam estabelecer essa relação e julgam que seu leite está fraco.
Além disso, ao contrário do leite de vaca, que é inerte, o leite humano
é composto por células vivas que transferem para o bebê a imunidade materna aos
agentes infecciosos.
Drauzio – Essa coisa viva a que
você se refere são os glóbulos brancos?
Keiko Teruya – São os glóbulos brancos, os
anticorpos que a mãe passa para o filho. Hoje, sabemos que além dos macrófagos
e dos linfócitos T, entre outros, o leite materno possui imunomodeladores,
substâncias que ativam a imunidade da criança. Por isso criança que mama na mãe
dificilmente morre e, quando adoece, se restabelece mais depressa.
PREVENÇÃO DE DOENÇAS
Drauzio – Quais são as doenças mais frequentes em
crianças que não são amamentadas no peito?
Keiko Teruya – A mais frequente é a
diarreia. A criança amamentada no peito está dezessete vezes mais protegida
contra essa doença, porque no leite materno existe um anticorpo chamado IGA
secretora que recobre a mucosa intestinal protegendo-a contra infecções e recobre
tembém a mucosa da árvore brônquica e dos ouvidos, prevenindo otites e
pneumonias. A longo prazo, a prevalência de certas patologias como a
aterosclerose, alguns tipos de câncer, obesidade e diabetes é menor nas
crianças amamentadas no peito.
Drauzio – Muitas mães perguntam se, quando estão
gripadas, podem amamentar o filho?
Keiko Teruya – Podem e devem.
Durante o processo gripal, a imunidade da mãe está sendo ativada. Como seu
leite é constituído por células vivas, seus anticorpos são transmitidos diretamente
para a criança durante as mamadas.
Drauzio – Não há o risco de o vírus ser
transmitido também pelo leite?
Keiko Teruya – Na verdade, a mãe
transmite o vírus e o tratamento, porque seu leite carrega os anticorpos
necessários para combater o agente agressor. Mesmo que suspenda a amamentação,
ao cuidar do bebê, ela estará correndo o risco de transmitir a doença com a
agravante de não lhe transmitir as defesas (imunoglobulinas, macrófagos e até
interferon) que o leite transporta.
USO DE MEDICAMENTOS
Drauzio – Existem restrições quanto ao uso de
medicamentos durante o período de amamentação?
Keiko Teruya – A maioria dos
remédios está liberada durante a amamentação. Se a mãe tiver uma dor de cabeça,
pode tomar um analgésico sem medo. No entanto, existem algumas
contraindicações, como é o caso dos imunossupressores e de alguns hormônios.
Casos que não admitem suspender a medicação, como os de hipertireoidismo
materno, exigem acompanhamento bastante cuidadoso.
Drauzio – E em relação aos tranquilizantes?
Keiko Teruya – As mães podem
tomar tranquilizantes desde que em doses absolutamente controladas. Lítio, nos
casos de transtorno bipolar, e ergotamina, nas crises de enxaqueca, precisam
ser ministrados com muita cautela. No entanto, contradizendo o que se pensava
anteriormente, a maioria dos antibióticos e quimioterápicos não apresentam
contraindicações indesejáveis durante amamentação.
O Ministério da Saúde publicou um livreto – “Aleitamento Materno:
Amamentação e Drogas”, disponível em qualquer Posto de Saúde – que contém
informações importantes sobre o uso de medicamentos. Por exemplo, se a mãe
precisa ser medicada contra a esquistossomose, lendo o livro descobrirá que
nada a impede de tomar o remédio prescrito.
RITMO DAS MAMADAS
Drauzio – Que critério a mãe deve adotar para
estabelecer o ritmo das mamadas? Ela deve obedecer a um horário rígido ou
guiar-se pelo choro da criança?
Keiko Teruya – Livre demanda é o
critério a ser adotado. Os bebês não nascem conhecendo relógios nem horários,
mas a mãe sempre percebe quando chegou a hora de amamentar. Não é preciso que a
criança chore. Sua irritabilidade ou agitação bastam para que ela saiba que o
filho necessita de seu peito.
Drauzio — Existem instruções para orientar a mãe no
que se refere à troca de peito?
Keiko Teruya – A criança deve
mamar num peito até soltá-lo espontaneamente e só então lhe deve ser oferecido
o outro. Há um teste simples que demonstra a eficácia desse procedimento. Antes
de iniciar a mamada, pede-se à mãe que retire um pouquinho de leite e reserve.
Em seguida, o seio é oferecido ao filho. Quando ele o soltar, ela tira mais um
pouco de leite desse mesmo seio e compara as duas amostras. O primeiro é ralo e
bem clarinho, pobre em gorduras, mas rico em açúcar e água. O outro é escuro.
Essa diferença é uma prova de que a natureza é sábia. A criança tem
necessidade dos dois leites: o anterior e o posterior. O primeiro serve para
matar a sede; o segundo, para matar a fome e fazê-la engordar.
Nós, pediatras, estávamos errados quando apregoávamos 15 minutos num
peito, 15 minutos no outro. Geralmente, a mãe que tem num único peito leite
suficiente para alimentar a criança, deve começar a mamada seguinte pelo seio
menos solicitado e deixar que o primeiro e esgote.
Drauzio – Na hora da amamentação, qual deve ser a
atitude da mulher?
Keiko Teruya – Bem relaxada e
com as costas apoiadas, de preferência com o pé todinho no chão, a mãe deve
olhar para a criança, o que nela é uma reação quase automática, instintiva.
Esse carinho, o cheiro que a mãe exala, essa dança entre mãe e filho ao
amamentar são fundamentais para o desenvolvimento harmônico da criança. Por
isso está certo quem diz que, se a criança receber amor, dificilmente devolverá
violência.
Não faz muito tempo, entrou em contato comigo uma procuradora de justiça
que estudou a criminalidade nas crianças que viviam em instituições. Ela
concluíra que o desmame era a causa mais importante desse desvio
comportamental. Essas crianças nunca haviam sido amamentadas e mãe que
amamenta, não maltrata o filho. Não o espanca, não o queima nem quebra seus
ossos e não o abandona.
Drauzio – Resumindo, quais as orientações da
Organização Mundial de Saúde em relação ao aleitamento materno?
Keiko Teruya – A OMS aceitou uma proposta
brasileira e recomenda o aleitamento materno por seis meses. A partir dessa
idade até os 2 anos, outros alimentos serão introduzidos observando as etapas
do desenvolvimento infantil. O branco do leite é substituído pelo colorido dos
sucos de frutas, por exemplo; o líquido, pelo pastoso e depois pelo sólido. A
recomendação é oferecer à criança o que a família come e não mais as sopinhas
elaboradas de antigamente.
Drauzio — Sem usar a mamadeira?
Keiko Teruya — Sem a mamadeira e
sem chupeta, que também deixou de ser recomendada. O ideal é não utilizar a
mamadeira, porque a dinâmica de sucção é totalmente diferente da do peito. Para
demonstrar a diferença, peço às mães que suguem seu dedo e depois seu punho.
Ela vai notar que para sugar o dedo usa muito pouco a estrutura da boca.
Praticamente só usa a língua. O mesmo ocorre com a criança e a mamadeira porque
o leite sai quase por gravidade. Mamar no peito pressupõe muito mais esforço e
empenho. E quem não gosta de sombra e água fresca?
Publicado em 08/08/2011
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